A Ronda do Esqualo*


Fitou-se no espelho. Exame demorado. Cada ruga, cada vinco  tinha uma história . Algumas contavam-lhe  segredos . Mas não tinha certeza da sua veracidade.

Sem querer olhou nos próprios olhos. Um olhar dolorido. Ainda se reconhecia, no entanto. Estava gasto e consumido e ainda assim, conservava um brilho de fúria disfarçado pelas boas maneiras e a cuidadosa arte de escolher bem as palavras. Talento Raro- pensou.

Vestiu o uniforme ritualisticamente. Ajustou- lhe os botões e pregou as insígnias de plástico douradas. Colocou  o quepe de forma um tanto  displicente e estudada . Estava pronto . Prestou continência a si mesmo.

Foi ao tombadilho e atirou–se ao mar. Os tubarões fizeram o resto. Despertou  da ressaca . Abriu os olhos e  as bocarras desapareceram. Um pesadelo. É certo que se repetia todas as noites . O espelho, a farda e ...os tubarões . Aprendera a conviver com eles . De alguma maneira , os esqualos lhe traziam certa paz, pois sabia exatamente  o que eles iriam fazer.

Permaneceu deitado.  As idéias se concatenaram. Lembrou que estava de Licença. Licença significava andar por ai  sem rumo em  busca do óbvio. Pena que não sabia mais o que era o óbvio. Sacudiu a cabeça livrando-se  dos respingos do sono.

Foi ao  banheiro . Ignorou o espelho. A face vincada  e  os seu segredos. Vestida a farda, colocadas as insígnias,quase prestou continência,mas se conteve.

Porta aberta. Não havia  tombadilhos e nem tubarões. Havia a rua e o óbvio. Sabia que estava lá.

Na taverna um camarada o aguardava com uma caneca de vinho barato. Pediu uma botija e sentou–se. Eles eram tipos estranhos.Falavam com voz empostada, cheia de arcaísmos e pleonasmos.Na realidade trovejavam.Discutiram coisas do mar e  dos bares, das viagens sem sentido e a busca do óbvio.

Algumas canecas e murros na mesa depois, para a alegria do Taverneiro e alívio da clientela saíram dali,imersos na neblina.  Emergiram próximos ao Grande Teatro.

O amigo se desinteressou  e seguiu  para as docas .  Ficou sozinho observando a fila que se formava diante do prédio. Prestou atenção aos que se aglomeravam . Decidiu entrar. Havia um espelho  emoldurado  com temas marinhos. Examinou o  uniforme. Sentiu-lhe a textura junto ao corpo . Passou a mão no rosto . Ela se chocou com o tapa-olho . Cuidadosamente  o levantou . Uma órbita vazada, negra com restos de pólvora. Um vazio por onde penetrou .  Estacou diante do  abismo . Completamente envolto nas trevas, algo o observava...

игорь


* O óbvio era o nome original destas linhas escritas anos atrás. Hoje acho o texto desinteressante e aborrecido.  Na verdade um texto morno e morto... obviamente dilacerado por esqualos esquálidos e nocturnos...




Comentários

Anônimo disse…
Olá sócio,

Muito legal, o único problema que vejo nesse texto é que ele não termina.

Os leitores gostam das viagens sem sentido e buscar o óbvio.

Abraço!
Игорь disse…
Olá Sócio !!

Terminar ou continuar fogem ao meu entendimento. O controle das palavras inexiste.

Esqualos rondam...

abraços !
Anônimo disse…
Não concordo que o fato do texto não terminar seja um problema, pelo contrario!!!!!!

Ah, aqui meu suposto blog sério: www.sintomal.blogspot.com

abraço.
Игорь disse…
Olá Sra K!!

Visitarei teu suposto blog sério.

obrigado, gosto de escrever atmosferas de sugestões .
mara* disse…
E deixou que a tristeza invadisse todos os cantos da alma. Lentamente dilui-se numa massa informe de gente cinzenta. Tornou-se um vulto a abraçar apenas monumentos de pedra, que o observavam, que o seguiam... e sentiu os tempos mortos ou agonizantes.
Игорь disse…
Ma che bruta atmosphera*, Mara...



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*ma che bruta= é a 2ª vez que uso esta expressão na semana. Não me lembro daonde tirei. Melhor que isso só " Por Júpiter!"
Celamar Maione disse…
Игорь ,
texto denso. Melancólico.
Lembranças que ficaram muito marcadas, não ? :)
Sonhos. Sonhos..

A foto foi tirada numa tarde de domingo, num inverno e de alguma forma tem uma " semelhança" com seu texto. Lembranças. rsrsrsrsrs

bj
Игорь disse…
Uma época marcada que hoje mal reconheço.

O Mar que contemplava era mais desolado e frio. Desértico.

bjo